Noite Fria e Solidão

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Status: Finished  |  Genre: Other  |  House: Booksie Classic


Senti meu corpo tremer e a cabeça doer repentinamente. Um suor frio atingiu meu rosto e meu coração bateu rapidamente. A sensação de um choque elétrico perpassou-me, como se tivera sido atingido pelo menos dez vezes seguidamente.

Tateei a cama na esperança de encontrar meu aparelho celular. Estava funcionando ainda, mesmo com a tela quebrada. Não estava com o relógio digital no pulso esquerdo como sempre. O perdi de uma maneira lastimável. Automaticamente estiquei o braço direito na mesma tentativa árdua de apalpar algo sólido, que pudesse me mostrar as horas. Um despertador talvez? Nada! Meus dedos foram de encontro a uma pedrinha gelada na qual reconheci ser o quartzo rosa, a pedra do amor, que fica ao lado de minha cabeceira sobre o móvel de madeira.

Que boa sensação aquele cristal me trouxe…

Quando desistia completamente e me prepararava para sair da cama e acender as luzes, minha mão bateu em algo que reconheci rapidamente. Meu telefone, é claro. Não havia deixado na recepção do hospital e nem mesmo no caixa do mercadinho do quarteirão, quando comprei macarrão instantâneo e biscoitos recheados.

A tela azul me indicou as horas - 22h00. Que pésssima sensação. Havia perdido mais um dia no qual poderia resolver ao menos coisas de minha pequena alçada. O que poderia fazer às 22h00? Foi quando entendi que estava tudo bem e nada mudaria a não ser meu humor, que após me acalmar, parecia um pouco melhor do que os dos dias anteriores.

Sentia-me fraco e com fome, embora tivesse comido uma fatia de bolo de milho antes me deitar. Tentei me levantar, enquanto parecia fazer um esforço comunal para manter meu corpo de pé. Seria meu desafio do dia.

Senti a sensação de uma agulha muito fina atravessar minha nuca e um pesar do qual não estava acostumado tomar conta de meus ombros. Como parecia difícil me equilibrar, nem mesmo a noite de whisky com algumas amigas me deixaram naquele estado.

O quarto estava escuro, exceto por uma pequena passagem de luz da noite pela janela entreaberta, o que me auxiliou a encontrar o interruptor. Após a luz estar acesa, apanhei a garrafa d'água que estava por perto e tomei um gole. Que refrescante! O líquído descera por minha garganta tão rápido que agora parecia saciado, passando até mesmo a minha fome. Calcei minhas sandálias, não retirando as meias, algo que sempre fizera.

Embora estivesse bem, uma angústia pairava sobre meu coração. Não poderia explicar o motivo, porém, identificava as raízes dessa impressão, já entranhadas em minha psique. Não me detive parado por muito tempo naquele cômodo e saí pela porta, encontrando o corredor que me levava à cozinha, onde procurei na geladeira o suco natural de goiaba que fizemos mais cedo.

Estive parado na cozinha tempo o suficiente para decidir entre sair e voltar para a cama. A primeira opção me pareceu a melhor no momento, pois o frescor da noite me faria bem, ainda que estivesse com indícios de gripe.

Coloquei um casaco de lã branco e em volta do pescoço um de meus cachecóis, um xadrez o qual não usava há tempos e uma touca verde que aparentemente me fazia parecer um gnomo, o que no fundo me divertia.

Enquanto percorria o corredor, lembrara que um pouco antes de me deitar, a chuva caía forte. Provavelmente a rua estava cheia de poças d' água e tudo mais. Definitivamente não colocaria sapatos ou botas galocha. Ao tocar a maçaneta da porta, senti o efeito do frio, que praticamente congelara o ferro. Abri a porta, me deparando com o hall mal iluminado e cheio de estantes nas paredes com pequenos vasos de plantas. Segui e me deparei com a área que havia sido construída pelos meus pais cheia de plantas, algo que minha mãe planejara satisfatoriamente detalhe por detalhe.

Sentir no ar o perfime de algumas flores, o que de certa forma me acalmou. Meus pensamentos se aquietaram e reagi automaticamente ao abrir a grade pesada de ferro que nos separava do quintal, também cheio de ínúmeras plantas e da garagem ao lado.

Não sabia ao certo o que faria ou onde iria, mas precisava sentir a noite e simplesmente respirar o ar passar pelos meus pulmões.

A noite estava fria após a chuva de horas antes. A vizinhança também parecia quieta. Talvez todos estivessem dormindo. Geralmente o cachorro da casa em frente latia alto ao me ver, o que não aconteceu. Segui meu caminho, espreitando os olhos, pois meu óculos de grau estava com a lentes embassadas devido ao mal tempo e não havia lenço ou papel para limpá-lo, sendo que meu casaco provavelmente o arranharia.

Decidi ir até a esquina de casa, olhar a noite e quem sabe dar um olá para o senhor bêbado que sempre passava por essas horas ali. Não havia ninguém, tudo estava estranhamente quieto. Um silêncio que me preocupava. Sempre podia-se ouvir a música sertaneja vinda de uma das casas, ainda que em baixo volume.

Cruzei a avenida e vi o farol de carros vindo ao longe. Senti que não estava sozinho naquela noite nada cálida, e pela primeira vez no dia me senti confortável com a sensação de ter companhia. Sentia-me sempre assim e não tinha a quem recorrer para matar a solidão que há tempos fazia parte de minhas entranhas. Desde criança, um solitário…

Olhava para o chão de tempo e tempo para não pisar em alguma poça de lama e seguia meu caminho. Não havia pego os fones de ouvido que costumava usar e nem pude escutar aquele indie que sempre me acalmara. Ouvia somente o vento soprar em minha orelhas.

Quando cruzei uma das esquinas, o carro da polícia militar passou pela rua lentamente. Fiquei observando as luzinhas no alto enquanto se afastavam e os perdia de vista. Sozinho e seguro, imaginei satisfeito. Foi quando ao longe, uma bicicleta surgiu do nada em uma velocidade como de foguete e tive que me desviar para não ser atingido. Imaginei o que um rapaz estaria fazendo aquela hora voando em biciletas como se estivesse em uma competição.

Após encontrar um gato que me fitou curiosamente, fazendo com que me sentisse julgado por estar caminhando naquele horário da noite, segui em frente e não vi mais nada do que sempre via. Todos pareciam dormir, embora ainda não fosse 00h00. Aparentemente, todos deviam estar obedecendo alguma espécie de toque de recolher!

O mesmo vazio de alguns dias atrás me atingiu em cheio. Uma tristeza o suficiente forte para me dar um soco se pudesse personifica-la em algo sólido, ao invés do intocável abstrato. Senti meus olhos lacrimejarem e lágrimas rolarem sobre minhas bochechas vermelhas de frio.

Por quanto tempo me sentiria assim?

Cruzei os braços e adentrei a rua que dava acesso à minha casa. Havia dado um volta enorme pela quadra e agora subia desanimadamente enquanto sentia uma pressão no lado direito da cabeça. Algo que sempre me incomodara.

Preferi estar debaixo do edredom quente e estar assistindo vídeos aleatórios no YouTube ou um daqueles programas americanos com a voz dublada e caricata.

A praça estava iluminada e percebi o quanto a cidade mudara. Não tinha medo em andar pela cidade agora bem iluminada, ainda que houvesse riscos.

O mal espreita até mesmo de dia, eu pensava.

Cheguei em casa e arranquei dos bolsos a chave do portão que estava amarrada a um dos meus cadarços de tênis. Tentei encaixá-la o mais rápido que pude, como naqueles programas de provas da TV.

Ufa! Salvo, dentro de casa. Sem mais aventuras noturnas.

Encontrei o meu aparelho no quarto e abri o spotify, um daqueles aplicativos para músicas e outras coisas. Vi que uma canção estava pausada.

Thread da banda Now, Now.

Dei o play. A batida foi o suficiente para me elevar…

Find a thread to pull

And we can watch it unravel

But this is just the start

We’ll find out who we are

Fui me deitar com as frases ainda ecoando em minha cabeça. Adormeci…

A hint of light in the dark

Only enough to keep from giving up


Submitted: February 19, 2025

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